Cheguei no escritório às 8h10, 5 minutos mais cedo que o planejado. Considerando que minha residência fica a 15 minutos do escritório, praticamente não tinha ninguém na rua. Parecia a semana entre o Natal e o Réveillon. Conferi o celular para ter certeza que era segunda-feira e que as duas semanas de férias não tinham levado embora a minha sanidade.
Segui o meu ritual: liguei o computador, cumprimentei meus companheiros de mesa e fui pegar o meu café na copa. Não pude deixar de notar o escritório vazio. Dos 50 colaboradores, não localizei mais do que 10 ocupando suas posições de trabalho, e desses 10, não reconheci a metade.
Como de costume, volto para minha mesa e tiro 5 minutos para organizar e rever a minha agenda do dia e da semana. Fico surpreso que finalmente os sócios seguiram minha recomendação de realizarmos a reunião semanal da diretoria às 8h30. A agenda está super organizada, a Katarina sempre impecável, deixou todas as reuniões com referências sobre os assuntos a serem discutidos e o LinkedIn de todos os participantes.
Achei interessante que todas as reuniões eram na verdade “conference calls” e que o tempo reservado para cada uma era de 30 minutos ao invés dos 60 minutos que sempre pedi para serem reservados levando em conta o tempo de deslocamento. Tirando dois almoços, todas as reuniões seriam realizadas online, as internas pelo “Microsoft Teams” e as externas pelo “Zoom”.
Caminho para sala central para realizarmos a reunião das 8h30 e encontro apenas o Carlos, com a bela camisa da empresa e sua caneca de café em formato de barril de chopp. Tirando a ausência da barba estilo lenhador que sempre foi sua marca registrada, estava tudo normal.
Reclamei do fato de ninguém estar presente na sala, e ele como era de costume, riu sem levar a sério, dizendo que todos iriam se conectar de seus computadores e que o Arthur, apesar de estar no escritório, preferia conectar da mesa dele.
A reunião virtual começou e tomei um susto ao ver que tínhamos 12 pessoas participando e que 6 delas eu nem conhecia. Todos acharam graça quando perguntei se não era o horário da reunião da diretoria, e mais ainda quando perguntei quem eram aquelas pessoas que eu nunca tinha visto.
O Arthur, que junto com o Carlos e eu fundamos a Hurst Capital em 2017, fez piada, falou que depois de 2 semanas de férias, e por já não ser mais um garoto, seria difícil para mim lembrar de todos os nossos 280 colaboradores.
Os assuntos da pauta começaram a ser discutidos, mas eu não conseguia mais me concentrar nos tópicos. Saí da sala sem interromper as discussões e fui para minha mesa em busca de mais informações sobre o que estava acontecendo.
Entrando na minha caixa de e-mail verifiquei a data e tomei um susto! Combinei de tirar 2 semanas de férias aproveitando a quarentena do COVID-19 e fui passar uns dias no interior de São Paulo.
Meu retorno às atividades estava marcado para o dia 27 de abril de 2020 e não de 2022!!! Conferi a data no meu celular e uma vez mais vi que estávamos realmente em 2022. Procurando mais informações sobre os acontecimentos entre as duas datas, encontrei um e-mail que me chamou a atenção, o título da mensagem era:
“CALENDARIO DE TRABALHO DOS COLABORADORES HURST CAPITAL- NOVO NORMAL”,
Pelo que eu entendi, após o período de quarentena do COVID-19, implementamos um plano de trabalho para todos os colaboradores. Nele, dividimos os colaboradores em 2 grupos: o primeiro grupo era formado por colaboradores 100% remotos, que estavam sendo chamados de e-workers, e o segundo grupo era formado por colaboradores parcialmente remotos, que chamamos de in-workers.
Os e-workers representavam 40% da nossa força de trabalho e o mais interessante foi notar que o código de área de seus celulares eram dos mais variados: tínhamos representantes de (092) Manaus, (091) Belém, (065) Cuiabá, (067) Campo Grande MS, (083) Campina Grande, (051) Porto Alegre, (027) Vitória, entre outros.
Os in-workers eram separados em clusters e possuíam dois dias fixos na semana para estarem no escritório, e nos demais dias permaneciam remotos. E quer saber mais? Para alguns colaboradores, além do computador e celular da empresa, fornecemos um work booth.
Eu não fazia a menor ideia do que era isso, e nessa hora o Google me salvou. Estamos falando de uma estação de trabalho que parece uma cabine de telefonia antiga onde a pessoa pode ficar isolada trabalhando. Minha mente acelerou e já comecei a pensar no impacto que isso estaria causando no mercado imobiliário como um todo.
Como quem adormeceu e perdeu a festa, mergulhei para entender o que estava acontecendo. Já nas primeiras notícias pude perceber que a adoção do trabalho remoto parcial ou total para todos os funcionários não foram medidas adotadas exclusivamente na Hurst Capital, mas sim por todo mercado.
Na reportagem da Exame, o presidente da Vivo, anunciava a ampliação do número de dias de home office para 80% dos seus colaboradores, passando de 2 para 4 dias por semana. Seis meses depois a Vivo devolveu 50% do espaço ocupado no Edifício Eco Berrini.
Nossa, imagino o choque sofrido pelo time da GERAI da PREVI! E não parou por aí, procurei todos os principais ocupantes da cidade de São Paulo: Banco Itaú, Banco do Brasil e Banco Santander, Claro, Nestle, Amil Saúde, Unilever, Jonhson & Jonhson, L’Oréal, Ambev, Deloitte, e a história se repetia…
Todos devolveram entre 30-60% dos espaços ocupados nos edifícios comerciais da cidade de São Paulo. O setor financeiro parecia ser o que menos devolveu área percentualmente, enquanto as empresas de Telecom foram as que mais reduziram suas ocupações.
Mudei a minha busca para entender o impacto da quarentena do COVID-19 sobre o varejo. As notícias não poderiam ser mais assustadoras. Os Shopping Centers ficaram fechados por 2 meses inteiros, e por 4 meses só puderam abrir por meio período, com suas praças de alimentação restritas a 1/4 da ocupação anterior e cinemas fechados.
Durante os 2 meses de portas fechadas não foram cobrados aluguel nem fundo de promoção dos lojistas, mas precisaram manter a cobrança de condomínio para cobrir custos básicos de segurança, energia e limpeza.
Mesmo com essa medida, 60% dos lojistas ficaram inadimplentes e como resultado dos 2 meses sem faturar, 50% deles quebraram e não tiveram como manter a operação das lojas.
Na reabertura dos Shoppings, os consumidores não voltaram para consumir como antes. As incertezas sobre a doença e o desemprego fizeram o índice de confiança do consumidor chegar ao nível mais baixo da história.
O consumo ficou restrito aos itens essenciais e o consumidor agora acostumado a comprar on-line prefere fazer suas compras por seu dispositivo móvel e pelo computador.
Com a retração das vendas das lojas físicas, os aluguéis cobrados precisaram ser revistos, e isso somado à vacância acumulada pelo fechamento das lojas satélites, levou a receita dos Shopping a patamares inferiores a 50% dos números de 2019.
Ficou claro que os mais impactados foram (1) os Shopping Centers não dominantes das suas regiões primarias, (2) os Shopping Centers não pertencentes as grandes redes, capitalizadas e com uma estratégia pronta para estabelecer um “digital marketplace” que coloque as lojas físicas dos Shoppings como a “in-person experience” das marcas, e (3) os Shopping Centers em fase de maturação (com poucos anos de funcionamento) que ainda não conseguiram estabelecer uma base de consumidores fiéis e lojistas com volume de venda consistente.
Impressionante ver a classe de ativo mais resiliente do setor imobiliário tendo sua viabilidade sendo questionada.
Me senti em uma queda livre ao imaginar como seria explicar a todos os pequenos cotistas dos Fundos de Investimento Imobiliário a nova realidade de não receber pagamento de dividendos ou uma fração do valor recebido nos anos anteriores.
Na hora lembrei da minha carteira de investimento e da minha exposição ao setor imobiliário... O embrulho no estomago foi tal que nessa hora despertei de forma brusca, levando minha esposa a quase um ataque cardíaco ao meu lado.
Eu estava ensopado de suor, a Dafne olhando para mim com uma cara assustada me perguntou o que tinha acontecido. Apesar de não ter dormido nada bem, respondi com um enorme alívio: “Amor, me desculpa… Tive um pesadelo, sendo mais preciso, um PESADELO IMOBILIÁRIO. Ela me olhou com cara de quem não entendeu nada, me ignorou e voltou a dormir.
O isolamento social resultado da quarenta obrigatória aceleraram algumas mudanças comportamentais que levariam décadas ou centenas de anos para acontecerem. Não temos como prever todos os impactos causados pelo COVID-19 e da quarentena obrigatória, mas precisamos discutir abertamente a gravidade do impacto sobre setor imobiliário e a economia como um todo, deixando o pequeno investidor informado que o nível de risco dos seus investimentos mudou radicalmente.
Sensacional. Um sonho ou um vislumbre do futuro ? Por um momento lembra o filme “A grande aposta”… Seria essa a grande aposta contra o mercado imobiliário no Brasil ? Haha parabéns pela belíssima história.